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RU tem nova empresa e se torna um dos mais caros do país

Com refeições que passarão a custar R$ 6,10, RU da UnB é o sétimo mais caro do país. A nova empresa contratada já foi acusada de superfaturamento de contratos por reportagem do Intercept, mas nega todas as acusações

Foto: Luis Gustavo Prado - Secom UnB


Yolanda Pires, do Campus Multiplataforma



Fechado por 16 meses devido à pandemia, o Restaurante Universitário (RU) da Universidade de Brasília (UnB) volta a funcionar para estudantes que moram no campus Darcy Ribeiro e tem o segundo aumento de preço em menos de quatro anos. Após novo contrato assinado com a empresa ISM Gomes de Mattos, as refeições que custavam R$ 5,25 terão um aumento de 16,2% e custarão R$ 6,10 aos estudantes do grupo II, formado por aqueles que não são beneficiários do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES).

O aumento, segundo nota de esclarecimento da UnB, ainda não foi aplicado, uma vez que todos os estudantes atualmente atendidos pelo RU são beneficiários da assistência estudantil e, portanto, isentos de pagamento. A nota diz ainda que “os preços executados nos Restaurante Universitários da UnB são regulamentados pela Resolução do Conselho de administração n° 27/2018, que define os grupos de usuários e o percentual da refeição a ser pago, vinculando assim, os preços ao valor licitado”. As novas taxas passarão a valer com a reabertura do RU para toda a comunidade acadêmica, o que ainda não tem data definida.

Com o novo preço, a UnB passará a ter um dos restaurantes universitários mais caros do país, ficando em sétima colocação em levantamento feito pela reportagem do Campus Multiplataforma. O aumento é ainda maior se for considerado o valor cobrado pelas refeições em 2015 (R$ 2,50), antes do primeiro mandato da reitora Márcia Abrahão e da aprovação da Emenda Constitucional (EC) 95, em dezembro de 2016, que congelou por 20 anos os gastos públicos da União em áreas como saúde, educação, segurança e assistência social — as chamadas despesas primárias.


Lista dos 10 RUs mais caros do Brasil.
Créditos: Campus Multiplataforma

Soma-se a isso os cortes orçamentários ocorridos no atual governo, de Jair Bolsonaro, que recentemente anunciou a redução de 92% dos recursos destinados à ciência e tecnologia. Em 2021, segundo a Universidade de Brasília, houve uma redução de 8,2% dos repasses financeiros em comparação com a Lei Orçamentária Anual de 2020.

O orçamento destinado à assistência estudantil da UnB, área responsável pelas políticas públicas de alimentação, moradia e permanência, sofreu redução de 3,34% em 2020, em comparação com 2019, mesmo com a ampliação das ações de permanência estudantil e a criação de novas modalidades de assistência na pandemia. Os dados foram extraídos do Portal da Transparência e do artigo ‘Limitações orçamentárias: desafios à assistência estudantil da UnB em tempos de pandemia’, publicado na última edição da revista Cajuína.

Levantamento de orçamentos da assistência estudantil.
Créditos: Campus Multiplataforma

O teto de gastos, estabelecido pela EC 95 no final de 2016, conforme o artigo citado, causou impacto imediato com redução de 0,27% do orçamento destinado à assistência estudantil da UnB em 2017, em relação ao ano anterior. Isso fez com que a execução do PNAES ficasse estagnada nos últimos cinco anos, de acordo com a professora Carolina Cassia Batista Santos, da Universidade Federal do Amazonas, que é ex-decana de Assuntos Comunitários da UnB e coautora do artigo. “Então eu vejo como extremamente negativo isso, e ainda tem muita coisa pra gente dialogar, porque a tendência é ficar mais apertada [a execução orçamentária para a assistência estudantil]”, diz. “E tem universidade que esse impacto é tão grande que ele vai limitar cada vez mais o acesso à demanda.”

Nesse sentido, o orçamento reduzido, segundo a professora e pesquisadora do Departamento de Serviço Social da UnB Thaís Imperatori, fez com que fossem adotadas outras estratégias na execução do PNAES. “Temos visto uma tendência nas políticas públicas de focalização das ações de proteção social no Brasil”, diz. “Isso significa restringir o acesso aos grupos que estão em maior necessidade aos programas.” A falta de ações efetivas de assistência estudantil, segundo ela, “pode levar ao aumento da evasão escolar, especialmente entre estudantes que estão chegando à universidade pelos sistemas de cotas e com maior vulnerabilidade socioeconômica”. Ela declara que, devido às dificuldades socioeconômicas, “vemos estudantes abandonando os estudos pela necessidade de trabalharem”.



O aumento do desemprego, da insegurança alimentar e da pobreza, segundo a professora Thaís Imperatori, certamente terá efeitos na educação, especialmente na assistência estudantil. Créditos: Campus Multiplataforma


A assistência estudantil, segundo Imperatori, é de extrema importância, especialmente como medida que garanta a permanência e a democratização da educação superior. No entanto, ela explica que tais políticas vão além da concessão de bolsas. “O Decreto 7234/2010, que estabelece o Programa Nacional de Assistência Estudantil, define várias áreas de ação”, conta. “Para além de moradia e alimentação, temos inclusão digital, transporte, cultura.”

Durante a pandemia, devido à impossibilidade de acesso ao Restaurante Universitário pelos estudantes em vulnerabilidade social, foi criado o auxílio alimentação emergencial. A modalidade, segundo o graduando em geografia e coordenador da Central de Assistência Estudantil (Caes), Bruno Kaito, foi construída pelo diálogo da Caes e de outros coletivos do movimento estudantil com a instituição.

A atenção aos estudantes periféricos e em vulnerabilidade socioeconômica, para Kaito e conforme entendimento do movimento estudantil, deve ser a prioridade na gestão universitária. “A gente sabe que essa briga é muito maior, pois ela se trata do desmonte da educação pública, ela se trata sobre a PEC do teto de gastos [que se tornou EC 95], ela se trata sobre a conjuntura nacional desse governo federal que é o governo titular da cesta básica mais cara de todos os tempos”, Kaito afirma. “Por mais que tenha existido um empenho da administração superior em dar voz e dar espaço para as organizações estudantis, principalmente para a assistência estudantil, como se viu muito bem ao longo do último ano e desse ano nos espaços do fórum estudantil, nesse momento eles tentaram empurrar uma decisão sobre algo que atinge diretamente a vida da comunidade, que é o preço do Restaurante Universitário, é a retomada do calendário presencial e, principalmente, a extinção de um auxílio tão importante para mantimento dos estudantes de uma situação digna para continuar as suas atividades acadêmicas”, completa, em referência ao auxílio alimentação emergencial.

A continuação de pagamentos do auxílio, portanto, é incerta e tem sido discutida em assembleias promovidas pela coordenação da Caes, que no início de outubro se reuniu com a Administração Superior da universidade para tratar do assunto. Em 21 de setembro deste ano, a central elaborou uma carta aberta, encaminhada à Administração Central da UnB, onde afirma que “a gratuidade no RU sempre foi problematizada pelos estudantes, pois a dependência das estruturas da universidade para se alimentar limita os estudantes que não moram na região central a se beneficiarem plenamente com o auxílio, gerando várias crises e vulnerabilidade entre a comunidade estudantil”.

Ao ser questionada pela reportagem sobre a continuidade do auxílio alimentação emergencial, a UnB informou que esta é uma modalidade provisória de assistência estudantil. O Restaurante Universitário, segundo nota enviada ao Campus Multiplataforma, “iniciou seu processo de reabertura em setembro de 2021, com previsão de ampliação de atendimento, conforme o plano de retomada aprovado pelo CCAR [Comitê de Coordenação das Ações de Recuperação]”.

Atualmente, apenas os estudantes que vivem nos alojamentos da instituição têm acesso aos refeitórios, mas a universidade afirma que, “a partir do dia 1° de novembro, os estudantes do Programa Moradia Modalidade Pecúnia estarão com acesso ao RU”. A modalidade citada consiste no pagamento mensal de bolsas no valor de R$ 530, na tentativa de suprir gastos com moradia de alunos vindos de outros estados.

O acesso desses estudantes ao restaurante, no entanto, será condicionado ao recadastramento, que deve ser feito pelo SIGAA, conforme edital 010/2021. Terão a solicitação aprovada, segundo o item 1.6 do edital, todos que tiverem avaliação socioeconômica prévia realizada pela DDS, com renda familiar de até 1,5 salários mínimos por pessoa. O acesso às refeições será concedido em até 5 dias úteis após a inscrição.

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MESMO RU, NOVA EMPRESA

Assinado em agosto deste ano pela reitora e professora Márcia Abrahão Moura e pela empresária Idalina Sampaio Muniz Gomes de Mattos, o novo contrato de concessão do RU tem valor global estimado em mais de R$ 28 milhões. Em cumprimento à vigência do contrato, e segundo informou a UnB, a empresa ISM Gomes de Mattos iniciou as atividades em 9 de setembro, mesmo dia em que o restaurante foi reaberto aos moradores do campus. A empresa foi selecionada no pregão eletrônico 001/2021.

Contrato firmado entre UnB e ISM Gomes de Mattos

Com capital social de R$ 12 milhões, a ISM detém contratos com outros órgãos dos governos estaduais e federal. Um deles, firmado com a Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará, estado sede da empresa, foi acusado de superfaturamento por reportagem publicada em julho de 2020 pelo Intercept. A empresa, segundo a matéria, recebia milhões do governo cearense pela entrega de marmitas a presos inexistentes.

O contrato, que pode ser consultado no portal da transparência do estado, foi encerrado em junho de 2020 e estimava a distribuição de refeições para 13.351 detentos de 8 unidades prisionais. Mas, segundo publicou o Intercept, havia menos de 9 mil detentos nas penitenciárias que constavam no convênio.

Em nota oficial divulgada após a publicação da reportagem e disponibilizada ao Campus Multiplataforma, a empresa diz que a matéria é irresponsável e mentirosa, ou “maculada de inverdades”. O valor do contrato e a quantidade de detentos atendidos, segundo afirma a nota, foram estimados com base no edital e no Termo de Referência. Portanto, segundo a ISM, “o valor a ser recebido pela empresa licitante executora do contrato será apenas o decorrente da efetiva prestação do objeto contratado, mediante sistema rígido de fiscalização”. Acesse o posicionamneto da empresa na íntegra.

O Intercept faz referência ainda a dossiê publicado em maio de 2020 pelo canal A Voz do Cárcere e entregue por familiares de detentos à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Ceará. O dossiê e a reportagem afirmam que eram entregues marmitas com comidas azedas e frango cru nas unidades prisionais atendidas pela ISM.

Sobre as acusações, a empresa diz cumprir “todas as exigências sanitárias e ambientais para o exercício da atividade empresarial, sendo detentora de Alvarás de Funcionamento, Sanitários, Ambientais, bem como selos e certificações que comprovam a qualidade dos alimentos produzidos”.

No Restaurante Universitário da UnB, segundo estudantes ouvidos pela reportagem, a qualidade da comida melhorou em relação às refeições que eram servidas pela empresa anterior. Para o graduando de engenharia de produção Felipe Teles, que é morador da Casa de Estudantes Universitários (CEU), a comida servida pela ISM “aparentemente” é melhor e mais diversificada, com destaque para a inclusão de guacamole no cardápio do café da manhã. “Só que não sei se realmente é porque ela é melhor ou porque está tendo menos alunos para se alimentarem”, questiona Teles. “Pode ser que, como estão cozinhando numa quantidade menor, fica mais fácil de fazer, o tempero pega mais.”


Todas as entrevistas foram realizadas de forma remota, por videochamada, em cumprimento das medidas de isolamento adotadas na pandemia. Créditos: Campus Multiplataforma

A mesma preocupação é mencionada pelo estudante de publicidade e propaganda Marcos Oliver, que também mora na CEU e se questiona se a empresa irá manter a qualidade da comida quando o restaurante voltar a ser acessado por outros públicos. Um ponto positivo, segundo ele, foi a adição de guacamole, salada de frutas e tapioca.

“Acredito que esteja bem melhor a comida em questão de sabor, em comparação à empresa anterior. Às vezes um pouco seca, principalmente o prato principal, mas eu acho que está bem melhor”, avalia. As refeições fornecidas no RU, segundo a UnB, são acompanhadas por uma equipe de fiscalização da Diretoria do Restaurante Universitário (DRU), nomeada pelo Decanato de Administração em agosto de 2021. São atribuições da equipe, de acordo com nota da instituição, a fiscalização e o acompanhamento de todas as etapas de armazenamento, preparação e distribuição dos alimentos.

OUTRO RU, MESMA EMPRESA

Desde 2012, a ISM Gomes de Mattos é contratada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e fornece refeições nos restaurantes universitários da instituição. Os estudantes de graduação pagam R$ 1,10 pela comida, sendo um dos RUs mais baratos do Brasil. O preço é mantido pela UFC há mais de dez anos.

O Campus Multiplataforma entrevistou dois alunos da universidade, que têm opiniões diferentes sobre o RU. João Farias, estudante de dança, não gosta das opções com carne, mas elogia as sobremesas e os sucos. Já o estudante de gestão de políticas públicas Marcelo Rabelo confessa que ama quase todos os pratos servidos, com exceção de um. Descubra qual é e assista o depoimento dos dois no vídeo abaixo.

Edição por Manuela Ferraz. Coordenação: professor Zanei Barcellos. | FAC 2021 - desenvolvido com base no Mobirise